Repensando a Proteção: a Polêmica Lei de Alienação Parental e seu Impacto nos Direitos das Crianças e Adolescentes

Imagem gerada por IA

Por Jaqueline Costal

Tempo de leitura: 7 minutos 

Imagine uma mãe cujo filho ou filha retorna para casa depois de uma visita à família do pai, trazendo consigo queixas que indicam abuso sexual, como dores incomuns ou relatos perturbadores. O instinto de proteção é imediato, mas a questão é: como chegar à verdade quando tudo parece obscuro? Agora, imagine que, em vez de encontrar apoio, essa mãe que denuncia eventuais abusos seja acusada de alienação parental e se veja sob o risco de perder a guarda dos filhos antes mesmo que a investigação criminal seja concluída. Esse é o cenário controverso da Lei 12.318, mais conhecida como Lei de Alienação Parental, que está sob o escrutínio do Senado Federal.

Vamos entender por que a proposta de revogar essa lei tem gerado tanto debate e o que isso significa para a proteção das crianças e adolescentes.

A Lei 12.318 foi aprovada em 2010, inspirada na controversa teoria da Síndrome de Alienação Parental (SAP), criada nos anos 80 pelo psiquiatra estadunidense Richard Gardner. A teoria sugere que um dos pais, geralmente a mãe, pode manipular a criança para odiar o outro genitor, especialmente durante separações conturbadas. Tais manipulações envolveriam, por exemplo, falsas acusações de abuso sexual e implantação de falsas memórias nos filhos para afastá-los do pai “alienado” [1].  

Apesar de ter sido a base para a Lei 12.318/10, a teoria da SAP nunca foi amplamente aceita pela comunidade científica ou acadêmica. Instituições como a Associação Americana de Psicologia afirmam que não há evidências para a SAP como um diagnóstico reconhecido, e ela não foi incluída no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5) [2]. Também não está incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou contra a Lei em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados em 2008 [3].

Além de falta de base científica para a SAP, Gardner também enfrentou críticas por suas opiniões polêmicas sobre pedofilia. Ele chegou a sugerir que a pedofilia era normal ao longo da história e que a sociedade reagia de forma exagerada, gerando sofrimento para as crianças. Essas afirmações, levantam questões sérias sobre sua ética profissional e a credibilidade de sua teoria [1,2] .

Apesar de ter sido a base para a Lei 12.318/10, a teoria da SAP nunca foi amplamente aceita pela comunidade científica ou acadêmica.

No Brasil, Analdino Rodrigues Paulino Neto, cofundador da Associação de Pais e Mães Separados (Apase), foi um dos principais defensores da Lei. Ele a justificou alegando que as mulheres obtiveram mais igualdade após a Constituição de 1988, mas usaram esse poder para criar um "coronelismo feminino", exemplificado pela Lei Maria da Penha. As opiniões de Paulino Neto são controversas, especialmente porque ele afirma que a maioria das acusações de abuso sexual em processos de separação são falsas. Entretanto, dados da ONG Childhood Brasil, mostram uma realidade bem diferente: muitas vítimas de abuso não denunciam seus agressores por medo ou falta de confiança na Justiça, e a maioria das denúncias ocorre no ambiente familiar [3]. 


MAS AFINAL, O QUE DIZ A LEI BRASILEIRA SOBRE ALIENAÇÃO PARENTAL?


O Brasil é o único país no mundo com uma lei sobre Alienação Parental [3]. A Lei 12.318/10 a define como o ato de “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância” (art. 2º, caput) com o objetivo de prejudicar a relação entre a criança e um dos pais.

A lei lista uma série de exemplos de alienação, como "realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade" ou "dificultar o exercício da autoridade parental" (art. 2º, parágrafo único). Dentre os exemplos de alienação, a maior fonte de preocupação se encontra no artigo 2º, parágrafo único, inciso VI da Lei 12.318/10. Esse trecho trata da apresentação de falsa denúncia contra genitor ou familiares deste com o objetivo de dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente.

No entanto, a Lei 12.318/10 contradiz o  Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Isso porque o ECA, em seu artigo 13, exige a comunicação obrigatória de qualquer suspeita de maus-tratos ou violência contra criança ou adolescente, sem necessidade de provas concretas. 

Como crimes de violência doméstica e familiar tendem a ser ocultos, a exigência de prova pode silenciar denúncias legítimas.

Camila Pires, mestre em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da USP, alerta que a Lei de Alienação Parental pode aumentar o risco de silenciamento de abusos intrafamiliares e a criminalização de mães rotuladas como "alienadoras." Ela destaca que a lei parece contraditória, já que deveria proteger crianças e adolescentes, mas, ao invés disso, acaba promovendo o silenciamento de violações no âmbito doméstico [3].

O Brasil é o único país no mundo com uma lei sobre Alienação Parental.

Uma pesquisa feita pela Universidade de São Paulo analisou 1.478 processos de alienação parental em tribunais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O estudo revelou que, em 80% dos casos que envolvem violência doméstica contra a mãe, ela foi acusada de alienação parental. E nos processos em que há denúncias de abuso sexual infantil, a mãe foi acusada de alienação parental em 70% das vezes [2].

Devido à prioridade na tramitação de processos de alienação parental, mães podem perder a guarda dos filhos para pais acusados antes mesmo de uma investigação criminal ser concluída. O coletivo Mães na Luta, que apoia mulheres em disputas de guarda, estima que pelo menos 700 mães tiveram suas guardas ameaçadas por acusações de alienação parental desde 2016. Em 2019, um levantamento mostrou que, em 81% dos casos de abuso sexual, a guarda foi revertida em benefício do pai acusado [2].

Assim, não é difícil encontrar relatos desesperados de mães afastadas do convívio com os filhos após realizar denúncias de abusos [1,2,4].

Com todas essas controvérsias, a proposta para revogar a Lei 12.318/10 é uma oportunidade para repensar a abordagem de questões como divórcio, guarda de crianças e abuso sexual. A revogação dessa lei pode ser o primeiro passo para garantir a segurança e os direitos das mulheres e das crianças, protegendo as verdadeiras vítimas e evitando a disseminação de teorias sem fundamento científico. Vamos torcer para que a Justiça prevaleça e as denúncias legítimas sejam ouvidas.


Para orientações ou assessoria jurídica, entre em contato pelo e-mail: costal.jaqueline.adv@gmail.com ou WhatsApp 11 96599-8881.

Ou acesse o site costaljaqueline.com.br.

E me siga no Instagram: https://www.instagram.com/jaquelinecostaladv.

___

Referências

[1] CHIAVERINI, Tomás. Lei expõe crianças a abuso: A lei de alienação parental, que deputado pretende tornar mais severa, abre brechas para que vítimas de abuso sexual sejam obrigadas a viver com pais suspeitos da agressão. Agência Pública. 24 jan. 2017. Disponível em:  https://apublica.org/2017/01/lei-expoe-criancas-a-abuso/. Acesso em: 29 abr. 2024.

[2] SETA, Isabel & LEITE, Isabela. Alienação parental: a lei baseada em teoria sem comprovação científica e contestada por juristas e parlamentares: Legislação surgiu no Brasil em 2010 para proteger crianças em processos de separação. Segundo especialistas, porém, tem sido usada contra mulheres que denunciam homens por violência doméstica ou abuso sexual dos filhos. Conceito não tem lastro científico e foi proibido na Espanha e na Colômbia. G1. 25 fev. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/02/25/alienacao-parental-a-lei-baseada-em-teoria-sem-comprovacao-cientifica-e-contestada-por-juristas-e-parlamentares.ghtml. Acesso em: 29 abr. 2024.

[3] SANTANA, Crisley. Termo "alienação parental" precisa de rigor científico, diz pesquisadora da USP: Para Camila Pires, pesquisadora do Instituto de Psicologia da USP, circulação do termo cria senso comum sobre a lei e acirra conflitos entre pessoas da mesma família. Ciclo 22, Jornal da USP. 24 fev. 2023 https://jornal.usp.br/universidade/termo-alienacao-parental-precisa-de-rigor-cientifico-diz-pesquisadora-da-usp/. Acesso em: 29 abr. 2024.

[4] FREITAS, Camilla. '8 anos de inferno': as mães que foram proibidas por lei de ver os filhos. Universa UOL. 25 abr. 2024. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2024/04/25/3-mulheres-dao-seu-relato-sobre-alienacao-parental.htm. Acesso em: 26 abr. 2024.



Comentários